quinta-feira, 19 de julho de 2007

35. O grito de revolta de Cidália em Ganhar a Vida



É sem qualquer tipo de obrigação patriótica que incluo neste espaço a primeira cena referente a um filme português. Considero João Canijo o melhor realizador português em actividade, ou pelo menos o que aprecio mais, e o cineasta que melhor soube potenciar o talento de Rita Blanco.




Ganhar a Vida (2001) conta a história de Cidália (Rita Blanco), uma emigrante portuguesa em França que perde o seu filho e, perante a indiferença das autoridades e da resignação da comunidade portuguesa, resolve questionar tudo. O filme tem o dom de descrever a falsa integração e a ausência dum sentimento de pertença dos emigrantes portugueses e que resulta numa comunidade isolada, fechada dentro de inúmeras pequenas associações, resignada aos factos. De repente tudo é colocado em causa quando Cidália exterioriza a sua revolta.

Estes emigrantes já não têm nação porque nunca vão ser cidadãos plenos do país para onde emigraram nem nunca mais vão conseguir estar plenamente integrados no país de onde vieram, mas Cidália não aceita que o mesmo aconteça à geração seguinte. E aqui é que começa o verdadeiro problema, ou seja, na segunda geração. Como Cidália diz “os nossos filhos nasceram na França, falam francês, esta é a terra onde eles nasceram e é a terra que a gente escolheu para eles crescerem”. A segunda geração já não se resigna porque não entende porque é que têm que ser cidadãos de segunda. Todo este contexto é retratado de forma singular e realista neste filme (ver crítica completa ao filme aqui).

A sequência do filme que quero destacar começa com um espectáculo de música popular (com a participação de Romana, que encaixa que nem uma luva neste contexto) e com a subida de Cidália ao palco onde, segura e emocionada, profere as palavras que reproduzo de seguida:

“Eu queria só dizer uma coisa! A gente tá aqui no que é nosso. É isto que eu queria dizer! Meu filho foi morto mas parece que ninguém se importa. Ninguém quer saber. É como se não tivesse acontecido nada. Mas eu acho que vocês deviam de importar e deviam querer saber. Deviam querer fazer qualquer coisa. A gente vive aqui, a gente não vive noutro lado. A gente tá aqui no que é nosso. E os nossos filhos nasceram na França, falam francês, esta é a terra onde eles nasceram e é a terra que a gente escolheu para eles crescerem. É isto que eu queria dizer!”

segunda-feira, 16 de julho de 2007

34. A homenagem a Pam Grier em Jackie Brown


Não consigo imaginar uma maior homenagem a uma actriz - a face mais visível dum género de cinema, a blaxploitation - do que a que Quentin Tarantino fez a Pam Grier na sequência de abertura de Jackie Brown (1997). Uma envelhecida, mas ainda cheia de classe, Pam Grier atravessa o aeroporto - primeiro estática numa escada rolante, depois a caminhar com elegância e depois em passo de corrida - ao som da música "Across 110th Street" (Bobby Womack). Esta longa cena de abertura é o veículo perfeito para uma identificação total com a personagem - seu passado, suas motivações, sua essência. Sem qualquer diálogo é-nos apresentada Jackie Brown (Pam Grier merecia este papel, feito à sua medida), numa cena que não me canso de rever, pela autenticidade da homenagem que incorpora, que só um realizador que vive a sua arte com paixão conseguiria fazer desta forma.

33. A entrada triunfal em cena de Jack Sparrow



Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl (Gore Verbinski - 2003) é um filme de puro entretenimento mas há um actor que faz toda a diferença em relação a todos os outros blockbusters: Johnny Depp (Capitão Jack Sparrow). Ainda não vi o segundo e o terceiro filme da saga mas, a julgar apenas pelo impacto da personagem no primeiro filme, arrisco-me a dizer que Depp abriu caminho para que, mesmo em filmes que só piscam para a bilheteira, os actores possam arriscar e lutar contra todos os lugares comuns.

Destaco a cena em que o Capitão Jack Sparrow apresenta-se aos espectadores. A câmara foca um imponente pirata no topo do seu barco, a olhar para o horizonte mas mal temos a percepção total do estado do barco as gargalhadas são inevitáveis. Com a ajuda dum balde o barco - que mete água por todos os lados - aproxima-se do porto e o pirata Sparrow, directamente do topo do mastro, no exacto momento em que o barco afunda definitivamente, dá um passo seguro para o porto. A partir do "desembarque" o "afectado" Sparrow dá largas a todos os seus tiques - efeminados - e caminha triunfante pelo cais, como se nada tivesse acontecido. Um trabalho notável de actor que faz toda a diferença neste filme.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

32. Gordon Gekko em Wall Street



Há personagens que são memoráveis, que transformam cada cena em que participam no filme igualmente memorável. É o caso de Gordon Gekko, magistralmente interpretado por Michael Douglas, no filme Wall Street (Oliver Stone - 1987). Oliver Stone, com esta personagem, "arranjou" o veículo perfeito (um estereótipo do "tubarão" de Wall Street) para lançar farpas ao idealismo capitalista de Reagan, no apogeu do culto ao "eu". Apesar de ser um conto moral há discursos memoráveis proferidos pelo "predador" Gordon Gekko que ganharam um lugar na história do cinema. Destaco estes excertos:

"The richest one percent of this country owns half our country's wealth, five trillion dollars. One third of that comes from hard work, two thirds comes from inheritance, interest on interest accumulating to widows and idiot sons and what I do, stock and real estate speculation. It's bullshit. You got ninety percent of the American public out there with little or no net worth. I create nothing. I own. We make the rules, pal. The news, war, peace, famine, upheaval, the price per paper clip. We pick that rabbit out of the hat while everybody sits out there wondering how the hell we did it. Now you're not naive enough to think we're living in a democracy, are you buddy? It's the free market. And you're a part of it. You've got that killer instinct. Stick around pal, I've still got a lot to teach you."
Gordon Gekko a Bud Fox (Charlie Sheen), seu "aprendiz"

"The point is, ladies and gentleman, that greed, for lack of a better word, is good. Greed is right, greed works. Greed clarifies, cuts through, and captures the essence of the evolutionary spirit. Greed, in all of its forms; greed for life, for money, for love, knowledge has marked the upward surge of mankind. And greed, you mark my words, will not only save Teldar Paper, but that other malfunctioning corporation called the USA. Thank you very much."
Gordon Gekko na Assembleia Geral de accionistas da Teldar Paper

"I don't throw darts at a board. I bet on sure things. Read Sun-tzu, The Art of War. Every battle is won before it is ever fought."
Gordon Gekko a Bud Fox

Antes da queda Gordon Gekko olha para o seu aprendiz, Bud Fox (Charlie Sheen) e remata: "I opened the doors for you... showed you how the system works... the value of information... how to get it! (...) and this is how you fucking pay me back you cockroach! (...) I gave you Darien! I gave you your manhood* I gave you everything!".

* É curioso como a associação entre masculinidade e dinheiro funciona de forma natural e credível neste filme

terça-feira, 10 de julho de 2007

31. O discurso final de Al Pacino em ... And Justice for All

Al Pacino em ...And Justice for All (Norman Jewison - 1979)

Para mim é um filme memorável, um filme que mostra que os Estados Unidos têm a "best justice money can buy" num comentário feliz, feito já não me lembro por quem, à absolvição do O.J. Simpson. A interpretação do Al Pacino neste filme é fenomenal mas, o que mais me agradou foi o fim do filme, a representação do Al Pacino no discurso final, como referi, é uma das suas melhores representações além de totalmente inesperada.

Mas praticamente todos os personagens do filme são memoráveis, além do Al Pacino, advogado pobre e com problemas de consciência, tal como o seu colega que quase que enlouquece, o procurador que se está nas tintas para a justiça e que só se preocupa com a sua carreira política, o juíz integro, sado masoquista e violador, o outro juíz, amigo do Al Pacino, com tendências suicidas, a própria namorada, talvez o personagem mais fraco que enquanto dormia com o Al Pacino fazia parte de uma comissão que o investigava, etc.

E o próprio script do filme que é um dos scripts mais criticos para a justiça americana que vi até à data.

Se me abandonassem numa ilha deserta com uma TV, um leitor de video, uma central solar e dez videos, este, juntamente com o Apocalipse Redux e o Spartacus do Stanley Kubrick, estariam certamente entre os dez.


[Sugestão e texto do Raio - Cabalas]

30. Encontro de gigantes em The Score


The Score (Frank Oz - 2001) não é um filme memorável e, em rigor, não tem nem uma cena memorável. Mas reunir três monstros do cinema (dois consagrados e um que é a eterna promessa duma nova geração) numa cena é algo que merece ser mencionado, apesar de ficar a sensação de oportunidade desperdiçada. Três ladrões (Brando, DeNiro e Norton) reúnem-se num clube de jazz soturno iluminado apenas por feixes de luz provenientes da clarabóia e, no que parece ser um encontro entre três velhos amigos, planeiam o próximo e derradeiro golpe.

Como curiosidade este é o único filme em que DeNiro e Brando contracenam apesar de já terem interpretado a mesma personagem, Vito Corleone, na saga Godfather. Outra curiosidade, que pode muito bem ser um mito de Hollywood, é que Brando apareceu em diversas cenas deste filme sem calças para obrigar o realizador a não abusar de planos muito abertos, que colocariam a nú (literalmente) o seu evidente excesso de peso.

domingo, 1 de julho de 2007

29. O encontro entre Woodward e Deep Throat em All the President's Men

Bob Woodward e Carl Bernstein

"Deep Throat"

All the President's Men (Alan J. Paluka - 1976) retrata a história de Bob Woodward (Robert Redford) e de Carl Bernstein (Dustin Hoffman), os dois jornalistas do Washington Post que investigaram a ligação entre a colocação de escutas na sede nacional do Partido Democrata e o executivo da Casa Branca (caso Watergate). Esta investigação levou à demissão do então Presidente Richard Nixon.

Escolhi uma cena que, na minha opinião, é crucial tanto para a investigação como para o filme, ou seja, o primeiro encontro de Woodward com o já mítico "Deep Throat" ("Garganta Funda"). O "Deep Throat" é uma das figuras centrais desta investigação e é ele que une todas as pontas soltas e os fragmentos da história e, num qualquer estacionamento subterrâneo, a fumar um cigarro, no meio das sombras retira a investigação do ponto morto:

Deep Throat: "Forget the myths the media's created about the White House. The truth is, these are not very bright guys... and things got out of hand. (...) Follow the money."

Woodward: "What do you mean? Where?"

Deep Throat: "I can't tell you that."

Woodward: "But you could tell me that."

Deep Throat: "No, i have to do this my way. You tell me what you know and i'll confirm. I'll keep you in the right direction if i can, but that's all. Just follow the money."

O rasto, do dinheiro claro, foi dar directamente a Nixon. Um excelente filme para (re)ver e para reflectir sobre a liberdade de imprensa.